“Na vida, se a gente quer alguma coisa, deve correr atrás. Então, a minha vida virou uma correria só.” Ouvi essa frase no TEDx talks da Ariane Santos, de 2018, e acabei aqui, nessa folha. Imagino que a forma acelerada como estamos vivendo nesse século seja parcialmente respondida por essa frase.
Você sente que o tempo está passando mais rápido? Quando eu era criança, tinha pavor de ouvir pessoas dizendo isso, me causava profunda angústia. Se o tempo é tudo o que temos da vida nas mãos, como elas estavam confortáveis em viver com a vida acabando tão depressa? Aquilo me perturbava porque gosto do tempo. Não queria pensar nele passando por mim sem me olhar nos olhos. Tenho um grande prazer em observá-lo – ainda que suas regras me causem incômodo, é claro, não queremos chegar ao fim de algo bom. E o tempo é nossa validade, nos apavora e nos ensina.
Uma vez, durante um evento literário, ouvi de um amigo que gosto muito sobre a relação dele com o tempo – que é muito diferente da que muitos de nós vive. Ele pegou o microfone e disse: “eu tenho muito tempo”. E todos deram risada porque a maioria que estava lá o conhece e sabe como ele é uma pessoa atarefada. Mas ele insistiu: “eu tenho tempo até demais porque não gasto com isso aqui (e levantou o celular)”.
Será que o grande mal que o vício no uso do celular nos causa vem mesmo apenas pela poluição visual e auditiva? Acredito que isso faz parte do que é diagnosticável porque o corpo acaba denunciando em algum momento. O que ele faz com as nossas relações é muito pior. Passar horas rolando o feed significa consumir uma imensa variedade de conteúdo – de boa e má qualidade. Mas o nosso “HD” tem um limite de espaço diário e se o usarmos quase inteiro para o que a vida digital oferece, a vida real ficará sobrando. Não teremos paciência para conviver com a família, nem energia para conversar com um amigo que está precisando, muito menos atenção com o que precisa ser melhorado e desenvolvido nos nossos relacionamentos. Hoje, o grande privilégio é poder viver sem medir o tempo, sem cronometrar compromissos, cafés, jantares, momentos. Estar em algum lugar de verdade, sem olhar o relógio a cada cinco minutos, sem correr contra ele. Ouvir sem pensar imediatamente na resposta. Viver sem estar atrasado.
Quando meu amigo levantou o celular, a sala ficou em silêncio. Estávamos debatendo sobre como a vida tem sido corrida e, de repente, nos demos conta de que a vida não está fazendo nada, quem está correndo somos nós. Ela está acontecendo, ainda que sufocada pelo que estamos fazendo com a casa dela, mas resistindo. Nos assistindo a recusar muito do que tem nos oferecido, enquanto gastamos o tempo com as outras “novidades” que temos criado – e acabaram nos roubando o prazer de estar com o que a vida já era, sempre foi, permanece sendo.
Criamos carros tão velozes que desaprendemos a andar de bicicleta, a aproveitar o passeio, a gostar do percurso; a vista pouco importa. E se você perguntar o que importa para uma pessoa que está vivendo muito apressada, provavelmente receberá um silêncio confuso como resposta. É muito fácil esquecer daquilo que consideramos importante, essencial, inegociável. É só gastar o tempo, o olhar, a atenção e todo o nosso HD com o que nos distrai. A distração vira um prazer e o prazer vira um vício. Aqui estamos, dizendo que o tempo está mais curto, que o ano já está acabando e que estamos velhos demais. A vida continua vivendo, eu e você é que estamos morrendo por não gostar mais de viver com ela.