Os acordes centenários do Grêmio Musical 1º de Maio

Em Três Rios, banda mais antiga que a cidade emociona gerações, mantendo viva a tradição e o sonho sinfônico.
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Ao dobrar a esquina da Igreja Matriz de São Sebastião, no Centro de Três Rios, um som suave e familiar escapa pelas frestas da velha porta azul do número 170, na Rua Padre Conrado. Em uma fachada singela, de muros brancos, detalhes azuis e janelas gradeadas, está o coração pulsante de uma das instituições culturais mais antigas e resistentes da região: o Grêmio Musical 1º de Maio.

O tempo parece ter outro ritmo por ali. O piso de cerâmica clara do corredor principal reflete a luz natural que entra pela porta aberta, enquanto a sombra de quem entra se mistura aos ecos dos instrumentos em ensaio. Nas paredes, fotografias de rostos jovens e experientes contam, em silêncio, a história de gerações que aprenderam a linguagem da música entre aquelas paredes.

Mais adiante, ao atravessar o corredor, é possível ver o Salão Geraldo Duarte em plena atividade. Ali acontecem as aulas de música e ecoam notas que se confundem com memórias. A sala leva o nome do maestro que, por mais de seis décadas, dedicou sua vida à música na cidade e foi homenageado pela contribuição inestimável para a formação musical e cidadã de centenas de trirrienses.

O espaço é simples, mas cheio de vida. O piso de ladrilhos antigos e gastos, decorado com um padrão geométrico que mistura tons de verde, amarelo e marrom, carrega as marcas do tempo e das incontáveis apresentações e ensaios que ali aconteceram. Cada detalhe parece contar uma história. As cadeiras, em sua maioria brancas e tradicionais de bar, são os assentos disponíveis para os músicos. Sentados nelas, crianças e idosos compartilham o mesmo amor pela música e os mesmos desafios de uma rotina de ensaios. Não há sofisticação, mas há verdade e entrega.

Fundada em 1º de maio de 1910, a banda é mais antiga do que a própria cidade de Três Rios, que só foi emancipada de Paraíba do Sul em 1938. Criada por operários da antiga Rede Ferroviária, a banda nasceu como um coletivo popular e resistente, construída com os sons da coragem e da disciplina. Não por acaso, seu nome homenageia o Dia do Trabalhador, tanto em seus primeiros anos foi conhecida como “Banda dos Ferroviários”.

Ao longo dos 115 anos de existência, o Grêmio Musical enfrentou diversos desafios. Em 2011, ameaçada de encerramento, a instituição precisou sair às ruas para garantir sua continuidade. Um marco dessa resistência é registrado na placa de metal exposta em uma das paredes do salão. Nela, está gravado: “lutaram bravamente para que um ideal que teve início em 1910 não tivesse um fim após 100 anos de existência”.

Devanil Gonçalves Filho, maestro e professor da escola há três décadas, é um dos pilares da banda. Chegou à casa com apenas 11 anos de idade, vindo de Miguel Pereira, já tocando requinta. Cresceu na banda, aprendeu com mestres como Geraldo Duarte, tornou-se contramestre e professor, até assumir a regência. “Hoje temos cerca de 25 alunos ativos, mas já passamos de 100 em projetos especiais. Nosso sonho é transformar a banda musical em banda sinfônica, incluindo instrumentos de corda. Mas, faltam estrutura, instrumentos e professores especializados”, conta Devanil, na pequena sala onde são guardados os instrumentos.

A rotina da escola é mantida com muita criatividade. As aulas são gratuitas e a banda sobrevive com ajuda de aluguéis de salas e salão de festas, apoio pontual de projetos culturais custeados com recursos das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, e do tradicional apoio da empresa de transporte coletivo do município, que fornece vale-transporte a cada aluno. Mesmo assim, não há verba fixa e a isenção do IPTU, que antes existia e foi cortada. O débito atual, ele conta, é impagável: R$ 17 mil. “A gente vai levando. Temos dias difíceis, mas tem coisa que a música cura”, diz o mestre.

No salão, entre os alunos está o pequeno Vitor Hugo Juvenal Gonçalves, de nove anos, com o trombone nas mãos e brilho nos olhos. “O mais difícil é a partitura, tem umas que eu não sei muito bem ainda”, diz, enquanto observa o pai maestro. Entre os mais experientes, nomes como Expedito Josué de Medeiros também ressoam como exemplo de paixão pela música. “Entrei na banda com 14 anos. Conheci muita gente, toquei em casamento, boate, desfile. Hoje, a música me mantém vivo”, resume.

Terezinha Marques, clarinetista, também celebra o aprendizado tardio. “Nunca tinha tocado nada. Agora já sei todas as notas. Só estou com dificuldade nas mais agudas, mas a gente aprende. A música faz a gente se sentir útil”. Enquanto isso, Jovanil Marcolino Ferreira, outro aluno veterano, resume com poesia: “A vida é uma música. Harmonia, melodia e ritmo. A gente precisa disso”.

Há também histórias que atravessam cidades. Como a de um aluno que, ao mudar-se de Juiz de Fora para Três Rios e já conhecedor do trompete, decidiu trocar de instrumento e ingressar na banda local para tocar trombone. “Aqui todos podem aprender. Muitos começam em um instrumento e depois trocam. O importante é a dedicação”, reforça o maestro.

A banda é formada exclusivamente por instrumentos de sopro e percussão. Trompetes, clarinetes, trombones, saxofones, flautas, tubas e caixas compõem o conjunto que, mesmo com limitações, emociona quem escuta. De volta ao presente, no meio da aula, a banda ensaia “New York, New York”, clássico imortalizado por Frank Sinatra. A melodia ecoa pelas paredes do salão. Algumas notas desafinam aqui e ali, mas o maestro Devanil para, corrige, orienta. “Vamos de novo, com atenção ao tempo”, diz com firmeza.

Do lado de fora, o som vai ficando mais baixo à medida que os ouvidos se afastam da porta. Curiosamente, a qualidade da execução parece crescer, como se a banda soubesse que sua música precisa chegar longe. Afinal, bem ali no número 170 da Rua Padre Conrado resiste uma escola de música, uma família de sons e silêncios, uma centenária orquestra que desafina, afina, persiste e toca o coração de uma cidade inteira.

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