O Mistério de Lola: Uma Vida que Desafia a Ciência
Floripes Dornelas de Jesus, carinhosamente conhecida como Lola, é uma figura mineira que intriga pesquisadores e fiéis. Religiosa e natural de Mercês, ela ficou mundialmente conhecida por um feito extraordinário: teria passado mais de 60 anos alimentando-se exclusivamente de hóstias. Agora, esse fenômeno está sob a lupa do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que promete novas conclusões até o fim do ano.
A Busca pela ‘Inédia’
O foco principal do estudo é a ‘inédia’, um estado de abstinência total ou parcial de alimentos por um período prolongado. O médico psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, que coordena a pesquisa, busca pessoas que conviveram de perto com Lola, como familiares, vizinhos, padres e médicos. “A ideia é chegar até essas pessoas que conviveram intimamente de modo regular por longo tempo com ela, que possam nos dar informações mais detalhadas do modo de vida, da possibilidade de acesso dela a alimentos, assim como descrever o seu comportamento”, explica o coordenador.
A equipe está empenhada em verificar relatos de que Lola teria vivido aproximadamente 60 anos sem ingerir alimentos, líquidos, dormir ou produzir excretas. O geriatra Cláudio Bomtempo, professor da Faculdade de Medicina de Barbacena e médico que a acompanhou nos últimos anos, colabora com o estudo e já publicou um livro sobre ela. Além de Moreira-Almeida, participam da investigação o gastroenterologista Julio Chebli e o estudante de medicina Caio Almeida.
Um Jejum Que Intrigou e Ainda Intriga
A história de Lola começou em 1911, em Mercês. Após uma queda de um pé de jabuticaba, que lesionou sua coluna, ela ficou acamada no sítio da família, em Rio Pomba. Anos depois, passou a alimentar-se somente de hóstia, um hábito que teria mantido por mais de seis décadas, despertando a curiosidade e o ceticismo da ciência.
“O grande desafio em relação ao caso de inédia, especialmente ao da Lola, é que eles desafiam totalmente o conhecimento que nós possuímos. Primeiro, porque nosso corpo precisa de energia a partir de calorias que ingerimos. Têm também fontes metabólicas, fontes de proteínas, fontes de eletrólitos, vitaminas, etc. Além disso, a necessidade de eliminar excretas. O relato é que ela teria se alimentado apenas de uma hóstia por dia, o que obviamente seria insuficiente”, avalia Alexander Moreira-Almeida. O objetivo atual não é desvendar mecanismos, mas verificar a robustez das evidências sobre a inédia.
Outros Olhares da UFJF
O Nupes também está investigando documentos médicos, exames, relatórios, reportagens e trabalhos acadêmicos publicados sobre a religiosa. Alexander Moreira-Almeida destaca que há outros estudos da UFJF na área de humanidades que exploraram o impacto religioso e espiritual de Lola, que são “extremamente importantes”. “No nosso ponto de vista, mais do ponto de vista médico, nós estamos investigando esse aspecto fisiológico da inédia”, acrescenta. A pesquisa também coleta dados sobre as experiências espirituais de Lola e seu impacto nas pessoas, mostrando a complexidade do fenômeno através de múltiplas perspectivas.
Entre a Fé e a Ciência: A Canonização de Lola
Diversos milagres são atribuídos a Lola. Em seus primeiros anos após a queda da jabuticabeira, seu sítio se tornou um ponto de peregrinação. Mesmo 26 anos após sua morte, o local ainda reúne centenas de fiéis em atividades religiosas. Seu modo de vida – sem comer, andar, dormir ou fazer necessidades fisiológicas – a transformou em um símbolo de santidade.
Em 2005, Lola recebeu o título de ‘Serva de Deus’ pela Santa Sé Apostólica, e seu processo de beatificação foi aberto. Em abril deste ano, o arcebispo de Mariana, Dom Airton José dos Santos, nomeou o padre Rodney Francisco Reis da Silva como postulador da causa, e o próximo passo é a instauração do Tribunal Eclesiástico para a fase Diocesana.
O pesquisador Alexander Moreira-Almeida esclarece que o estudo da UFJF não tem o objetivo de ser a favor ou contra a canonização. “O nosso papel é investigar de modo independente, rigoroso, mas respeitoso e aberto, este fenômeno. Não temos nenhuma conclusão pré-estabelecida, nem de que existe, nem de que não existiu. Estamos tentando buscar o máximo de evidências que possam confirmar ou desconfirmar a experiência. Naturalmente, a Igreja tem os seus processos internos e é possível também que eles utilizem as pesquisas científicas que estão sendo desenvolvidas”.
Fonte da imagem: G1 Zona da Mata