Era uma maratona. Quarenta e dois quilômetros. Um passo atrás do outro. Um suor que escorre não só do esforço, mas da coragem. Uma respiração entrecortada que carrega tudo: dúvidas, dores, esperanças. Ao fim, a linha de chegada. Quando Flávia de Souza Carvalho, 48 anos, cirurgiã-dentista, cruzou aquela faixa simbólica na Maratona Internacional do Rio de Janeiro em 2017 não era só a medalha que a esperava. Era a prova viva de que ela havia superado muito mais do que a distância: venceu o medo, os limites e a ideia de que não seria capaz. Foi ali, naquela chegada mágica, que ela sentiu o mundo mudar – e ela junto.
A corrida entrou na sua vida em 2011 como um plano simples: perder peso, melhorar a saúde e aumentar o fôlego. Mas, como tantos planos que começam pelo corpo, foi a alma que mais se transformou. Flávia descobriu que correr não é sobre velocidade, mas sobre resistência. E, mais do que isso: é sobre reaprender a se movimentar por dentro. “A corrida é uma metáfora perfeita da vida”, resume ao fazer paralelo com situações que parecem ser o limite, mas ainda é possível encontrar forças para continuar.
É visível pelas ruas das cidades o número crescente de pessoas que correm ou caminham. O início pode ser sempre difícil e desafiador (e os motivos são os mais variados possíveis), mas o tempo gera histórias de quem se apaixona tanto pelas modalidades que não consegue parar. Ao contrário disso, buscam desafios maiores, participam de provas e descobrem os benefícios diretos e indiretos das do esporte para o corpo e a mente.
Também aconteceu com Fabiano Batista da Silva, 45 anos, que é militar da reserva começou por recomendação médica. O corpo dava sinais de alerta com colesterol alto, triglicerídeos fora do ideal e pré-diabetes batendo à porta. O sedentarismo, aquele velho conhecido que chega sem pedir licença, já estava confortavelmente instalado. Aos 41 anos ele precisou fazer uma escolha e optou pelo movimento. “Eu precisava me cuidar, fazer alguma atividade física e a corrida me escolheu”, lembra. O início, como sempre, foi não foi fácil. Corpo travado, fôlego curto e uma lesão que o afastou por três meses, mas a decisão de continuar e persistir transformou tudo.
Hoje, Fabiano coleciona histórias escritas a cada passo e não é exagero dizer que a corrida salvou sua saúde física e mental. “Faço tratamento de ansiedade há anos. Já vivi momentos difíceis, crises, episódios de depressão. Mas, a corrida me deu equilíbrio. Me sinto mais disposto, mais centrado. Estou muito próximo de receber alta medicamentosa”, conta. Em alguns treinos, Fabiano ouve músicas enquanto corre, em outros reza o Santo Terço. Na rua, ele encontrou um lugar sagrado: o seu.
Se engana quem pensa que correr é solitário. A solidão, às vezes, está no sofá e na ausência de movimento. Já na corrida, mesmo quando se está sozinho, o corpo se conecta com o mundo e com os outros. Foi assim com Sandra Raquel Faria de Araújo Ignácio, 58 anos, profissional da estética, que começou a correr em 2013 após muitos incentivos dos amigos. Sempre gostou de esportes, mas encontrou na corrida algo diferente: um lugar de pertencimento. “O começo é sempre difícil. O corpo reclama, a respiração falha, mas a vontade de continuar é o que muda tudo”, diz.
Sandra encontrou mais do que um exercício. Foram parcerias, risadas e desafios divididos. Cada quilômetro virava uma comemoração. “Minha primeira maratona foi um presente da vida. Treinei com muita dedicação, acompanhada da Flávia, minha amiga e inspiração. Lembro de comemorar cada etapa: 5 Km, 10 Km, 21 Km… até chegar aos 42 Km. Foi mágico”, conta. Hoje, ela ri quando diz que correr virou um vício – daqueles bons, que fazem bem e dão vontade de compartilhar com o mundo. “Coloca um tênis, vai devagar… e quando você vê já tá apaixonado”, brinca.
Talvez, o segredo da corrida esteja justamente na simplicidade. Para começar não precisa muito. Um par de tênis. Um quarteirão. Um coração disposto. “A corrida é uma atividade básica do ser humano. Evoluímos correndo. É natural e acessível”, explica o educador físico Celso Barbosa Junior, o Pingoto. Ele reforça que o importante, principalmente para quem está começando, é respeitar o próprio corpo e não criar metas inalcançáveis. “Caminhar, correr um pouco, parar, voltar. A constância vem antes da performance. E, mais do que emagrecer, a corrida entrega bem-estar. Ela muda o corpo, mas transforma a cabeça”, destaca.
Para ele, os resultados vão além da balança. “A gente sempre ouve que quem começa a correr fica mais forte fisicamente, mas o mais bonito é ver a força emocional crescendo também. A corrida cria uma estrutura mental muito poderosa, que se reflete em várias áreas da vida”, completa.
A transformação acontece mesmo e é visível. A cada treino, uma pequena vitória. A cada manhã que o despertador toca e o corpo hesita, uma escolha: continuar deitado ou colocar o mundo para girar sob os pés. A cada dia em que tudo parece demais, com a rotina, o cansaço e a ansiedade, a corrida surge como um respiro, um espaço para o tempo desacelerar, ainda que o corpo esteja em movimento. A corrida ensina que o desconforto passa e ele é justamente o que fortalece e que não se trata de chegar antes de ninguém, mas de chegar melhor do que ontem.
Fabiano costuma dizer que “desistir não é opção”. Flávia acredita que “a vida se reorganiza no movimento”. Sandra resume tudo com um sorriso: “cada quilômetro deixa uma marca em você”. Com a prática e a cada corrida, um sentimento em comum é que cada praticante fica “mais inteiro” do que quando começamos.